Wednesday, March 31, 2010

 

O trabalho

Trabalho. De tripalium, instrumento de tortura antigo.

O trabalho, antes reservado às classes baixas e aos escravos, democratizou-se. Hoje todos trabalham ou procuram desesperadamente por trabalho. Porque tem de ser, é a vida. Trabalhar até já foi virtude e não trabalhar ainda é muito mal visto.

Trabalhar é por natureza antinatural. O ser humano, vivendo em grupos, sucessivamente mais alargados, do clã e da tribo às nações e federações de estados, viu-se coagido a trabalhar durante quase toda a vida (sendo as primeiras décadas de afanosa preparação para o trabalho).

As sociedades modernas beneficiam de uma enorme redução da penosidade do trabalho, uma constante da história humana. As máquinas substituem parte considerável do labor humano. Teoricamente, produzindo-se muito mais riqueza com menos esforço de menos pessoas, sobraria mais tempo livre e poderia haver mais pessoas livres (da escravidão geral). Mas não é assim. A dependência dos poderes superiores (económicos) e a variabilidade e incerteza das suas vidas e do seu futuro e dos seus filhos mantem quase todos na corda bamba. O medo de cair no desemprego, na doença (na miséria) paira sobre os que, vivendo melhor do que todos os seus antepassados, temem mais do eles o futuro.

O progresso económico serviu para muito e é admirável. Mas frustrou os visionários que no passado acenaram com futuros radiosos de bem estar e liberdade. Isso não passou de fantasias bem intencionadas.

A substituição do trabalho do homem pelo das máquinas não conseguiu abrir caminho à libertação do homem. Parece pelo contrário, tê-lo fragilizado, mostrando-lhe que é dispensável, excedentário, um estorvo.

Labels: , , , , ,


Monday, March 29, 2010

 

As asas

“O problema com o homem moderno é que esquecemos a linguagem do silêncio, esquecemos o caminho do coração.

Esquecemos completamente que há uma vida que pode ser vivida por meio do coração.

Somos muitos presos à cabeça, e porque estamos demais na cabeça não fazemos qualquer sentido na expressão do amor.

Isso torna-se cada vez mais problemático”.
Osho, em "The Dhammapada The Way of the Buddha"


O gigantesco progresso científico e técnico dos últimos dois séculos, que entrou em aceleração nas décadas recentes, pôs inúmeras novidades à disposição de milhões de pessoas, alterando velhos hábitos para roupagens novas. Claro que o ser humano é essencialmente igual ao que sempre foi. Creio que isso jamais mudará para o bem e para o mal.

Recorro a uma velha metáfora que um dia li: o ser humano para voar acima da sua animalidade precisa de asas. Elas são a asa esquerda – o coração; e a asa direita, a razão.

A generalidade das pessoas não lhe passa pela cabeça voar acima da sua pequenez. Mas aquela minoria que orgulhosamente busca algo mais, treina desde cedo e para tanto é educada, na família e na escola e depois no mundo do trabalho, a mente – as capacidades de raciocínio, geralmente aliadas às tecnologias. Desenvolve , numa hipertrofia por vezes desproporcionada, a asa da razão. Mas quase sempre deixou morrer por atrofia, a asa do coração.
Sem esta, ensaia grotescos voos, acha-se acima dos demais, mas jamais saberá o que é voar. Para tanto é preciso desenvolver desde cedo ambas as asas e mantê-las em proporção. Se crescerem o suficiente poderão levar o ser humano a voar acima da sua pequenez, sim. Mas exemplos desses são bem raros.

Labels: , , ,


Wednesday, March 24, 2010

 

A longa noite

É longa e terrível a história da brutalidade humana sobre o seu semelhante, desde as inúmeras guerras, às matanças de inocentes, as incríveis formas de tortura aplicadas em todos os tempos, por toda a parte, os rituais sangrentos e dolorosos a pretexto de agradar a deuses ou a outro pretexto qualquer, as mutilações rituais de milhões de desgraçados, a redução à escravidão de milhões de seres, a prisão arbitrária de muitos outros, as deportações, perseguições, etc.
Se muito da história humana pode ser motivo de orgulho, todo aquele infinito rol de sofrimento é sem dúvida motivo para enorme vergonha.
Nenhum ser conhecido pode rivalizar com o bicho-homem, nem de perto, em crueldade para com o seu semelhante.
Uma tal exuberância do mal desabrochou neste local remoto do universo, a partir do seu produto mais sofisticado – a mente humana.
Há algo que não bate certo nesta criatura. É verdade que a natureza já mostrara a sua propensão para a violência e o desprezo pelo sofrimento de vítimas inocentes, no restante reino animal. Mas no ser humano refinou esse aparente sadismo. Todas as formas possíveis de infligir sofrimento foram testadas repetidamente ao longo dos milénios. Porquê? Para quê?
Ninguém sabe. Muito menos eu, propenso mais a questionar do que a responder. Sairei de cena ignorante como vim ao mundo sobre questões fundamentais, a maior das quais é a de compreender a justificação do sofrimento imerecido.
Por isso não me parece nada de especialmente assustador ou trágico o eventual fim do mundo (o fim da humanidade, querem dizer) tantas vezes apregoado.
Primeiro porque o fim de cada homem é certo e anda sempre perto. Depois porque o fim da humanidade significaria simultaneamente o fim do mal. Pelo menos neste cantinho do universo, onde um dia brotou.

Labels: , , ,


Thursday, March 18, 2010

 

Há muitas vidas...

Há muitas vidas na vida. Em múltiplos sentidos. As vidas que por nós passam, umas demorando anos, outras apenas alguns instantes. As que marcam e lembramos e as que esquecemos.

E há muitas fases na nossa viagem do nascimento até à morte. Cada fase consome-se por si mesma, exprime as suas potencialidades e as nossas de dela usufruir.
Ardemos em fogo lento, à luz do sol ou nas noites escuras, umas dormidas outras nem tanto.

A memória consciente é fragmentada e anda numa aparente deriva. Mas num nível mais inconsciente por lá vai ficando gravada toda a nossa vida. Um dia quebramos e tudo se perde. Definitivamente.

Daí a importância de cada dia, de cada novo dia que nos é dado viver. Diria mesmo, de cada instante que nos é oferecido.
Caminhemos com quem calhe caminhar connosco. Amemos quem calhe que o nosso coração escolha amar. E sigamos, apreciando esta estranha e misteriosa viagem.

Labels: , ,


Wednesday, March 17, 2010

 

Agora é sempre

Agora é sempre

Os filósofos, os homens religiosos, os místicos e muitos outros preocuparam-se com questões deste tipo:
Que lugar terei no além de acordo com o merecimento obtido nesta vida? Uns temeram o inferno, outros acharam-se merecedores talvez do paraíso.

Ou: A vida é boa ou má? Vale a pena ser vivida? Que sentido e propósito tem esta nossa breve passagem por aqui?

Mas que trapalhada! Que invencionice tola!
Digo: Do além nada sabemos, cuidemos antes do aquém.
Procuremos viver em harmonia, de acordo com uma sã consciência, respeitando-nos e respeitando os outros e a natureza, zelando pelo florescimento de bons sentimentos e tratando de deixar passar aspectos menos bons da nossa natureza.
Mas não por medo de qualquer castigo, apenas por respeito e prazer por existir em harmonia com o bem. O nosso e o alheio.
Estamos de passagem por um lugar fantástico, que só superficialmente entenderemos, onde nos há-de calhar uma quota parte de bem-aventurança e outra de sofrimento, sem aparente relação com o nosso merecimento.
Viver foi-nos dado. Pois simplesmente vivamos, é supremamente belo e basta.
Depois, regressemos simplesmente ao não-ser, de onde viémos. Existência e não-existência são apenas os polos da energia divina inerente a tudo. Podemos chamar-lhe Deus. E estamos nele agora como sempre estivémos e sempre estaremos. Nada há a temer.

Labels: ,


 

Abraão e Isaque

Abraão recebe ordem de sacrificar Isaque, seu filho único.
Decide obedecer.
Que história estranha:
Um Deus exigente e cruel. Um pai duro e fanático.
Onde está o amor desse pai e o amor desse Deus?
Além das duas hipóteses: obedecer e não obedecer e ver o que acontece, existiria, como sempre há, uma terceira: sair de cena, não obedecendo e nem querendo saber mais das consequências. Pode chamar-se fugir, pode chamar-se suicídio, chamo-lhe rebeldia.
Quando uma ordem vai contra a consciência do homem, o seu sentido profundo do certo e do errado, não deve obedecer, deve rebelar-se. Seja activa, seja passivamente.
No lugar de Abraão, estou certo de que escolheria desobedecer e ficar para ver o que acontecia.

Labels: ,


 

Coração

Coração, o que é isso?

Vou fazer 50 anos. Entro na década do teste ao coração. Passarás, meu coração?

Desde há dois ou três dias sinto-te esquisito, um bater em falso de vez enquando. Aviso de que vais falhar?

E uma tossezinha parva associa-se a esses sinais de fragilidade. Reforça a minha desconfiança.
Mas por enquanto a minha desconfiança da medicina é bastante maior.

Aguardemos...
13-03.2010

---------------------------
Continuo a sentir o coração diferente. Esquisito. Se calhar devo mesmo ir ao médico.

16.03.2010

Labels:


 

Quanto mais alto...

“Quanto mais mais alto é o voo, maior é a queda” popular.


Na vida vamos crescendo e aprendendo, vamos ganhando e perdendo. Vamos adquirindo.
Mas virá o tempo de perceber que tudo o que adquirimos vamos inevitavelmente perder.
Quanto mais tivermos, mais teremos a perder.
Não sobra nada, nem ao mendigo nem ao milionário.
Apenas um cadáver que todos querem ver sumir rapidamente, antes que cheire mal.

Labels: , ,


 

Os gémeos do mal

O que há de arrepiante no comunismo, tal como no nazismo, é o desprezo absoluto pela condição humana, a sua terrível capacidade de desumanizar o outro, o culto do chefe como suprasumo, o uso massificado do terror e da mentira como meios de manipulação de grandes massas populacionais.

O nazismo conseguiu concentrar o mal em poucos anos. O comunismo prolongou o mal no tempo, por diversas décadas.
Ambos fizeram muitos milhões de vítimas.

Os gémeos malditos do século XX, filhos tardios do ateismo dos dois séculos anteriores, já se foram. Mas deixaram bem vincadas as suas marcas na história da humanidade, a vermelho (do sangue derramado) e a negro (da morte, a suprema escuridão, em larga escala).

A mente humana, capaz de grandes realizações, mostrou bem do que é capaz, quando se coloca ao serviço do mal.

Labels: , , , ,


 

Soneto

Soneto aos meus amores


Uma pequena clareira entre árvores altas;
Um carro amarelo como um pedaço de sol;
A tarde perfeita dos meus amores perfeitos,
Que sempre levarei para onde for.

Aquele já não sou eu. Aqueles já não são eles.
Mas qualquer deles será sempre em mim
Mais meu do que o ar que eu respirar.
Irá comigo aonde o tempo não pode nem tocar.

Não tenho muito para apresentar,
Grandes feitos nem boas acções;
Terei comigo a lembrança daqueles corações.

Deus é amor e amor é Deus.
Fui daqueles que pôde vê-lo de perto,
Mesmo se queimar os olhos foi meu destino certo.

Labels: , , ,


Tuesday, March 16, 2010

 

Filosofia do Direito

Ao mesmo tempo que se aprendem os princípios fundamentais do
Direito, conceitos e regras, etc. e se vai também tomando conhecimento do
ordenamento jurídico em vigor, vão-se formatando as mentes para uma
apreciação cada vez mais abstracta da realidade. Cada vez mais impessoal
e fria.
Ora, o Direito, apesar da sua generalidade e abstração, na verdade,
aplica-se a pessoas concretas e vivas.
E apesar de compreender que, por vezes, o uso do linguajar tecnicojurídico
pode ajudar a centrar as questões nos pontos que verdadeiramente
interessa resolver, não deixa de ser um bocadinho ridícula essa linguagem
fria perante a vida, sempre quente, palpitante, imprevisível, racional mas
também profundamente irracional.
O Direito impressionou-me a dada altura da minha vida por ser
expressão da inteligência racional. Deixou de me encantar porque a
inteligência não é exclusivo do Direito. Está por toda a parte.
A vida, essa sim, encanta-me cada dia, a cada instante. Plástica como
a água e o vento, corre para onde lhe apraz. E faz dessa liberdade, bela e
louca, uma dança feliz perante a qual o Direito jaz como um cadáver em
decomposição que alguns tentam permanentemente maquilhar para parecer
vivo.

Labels: , , ,


Thursday, March 11, 2010

 

A queda

O Estado Português desceu um patamar na credibilidade que deveria ter perante os portugueses.
Altera de 4.5 para 6 por cento o desconto por cada ano de antecipação das aposentações na função pública e antecipa de 2015 para 2012 ou 2013 a idade de reforma da função pública para os 65 anos.
O Governo actual, que sucede ao Governo substancialmente igual que o antecedeu (mesmo primeiro ministro e mesmo ministro das finanças) e que estabelecera regras claras de calendarização dessas medidas, altera agora essas regras, frustrando de forma grave as expectativas de milhares de funcionários públicos.
Já não se trata de quebrar promessas políticas – o patamar de credibilidade relativa em que estávamos antes e onde nos habituámos a ver sem grande sobressalto muitas promessas por cumprir.
Agora trata-se de quebrar compromissos legalmente assumidos. Isto é novo e puxou o Estado para um nível de credibilidade muito baixo.
Quem ousará ter o optimismo de confiar nos compromissos que o Estado assume perante os cidadãos quando ele já mostrou não ter palavra?!
Vivemos sob o império do dinheiro. Tudo parece poder comprar-se e vender-se (mesmo que seja com dinheiro emprestado).
Mas considero gravíssimo não ter palavra e não ter vergonha disso. Ser pobre (não ter dinheiro ou dever dinheiro) não deveria ser motivo de vergonha.
Mas não ter palavra sim. O Estado Português perdeu a vergonha. Sinto vergonha por ele.

Labels: , , ,


This page is powered by Blogger. Isn't yours?