Monday, November 20, 2006

 

O Rebelde Tranquilo

Nesta encruzilhada genética onde se encontraram as árvores de meu pai e de minha mãe, aconteceram algumas fusões com resultado engraçado. Destaco a seguinte:
O meu avô materno (António Severino, pequeno agricultor) era um homem bom, mas era sobretudo um homem tranquilo. Uma adequação natural ao meio, uma gentileza no trato com os outros, uma certa paz, atenta e expectante em relação ao devir. Aceitação benévola do que a vida lhe desse. Aversão pela vulgaridade e boa disposição tranquila.
Qualquer pessoa se sentia bem perto dele, não tinha espinhos que ferissem quem quer que dele se aproximasse.

Já o meu pai (Francisco António Gomes, pastor, pequeno agricultor e tractorista) é de certo modo o oposto. Tem um temperamento essencialmente rebelde. Sempre pronto a contradizer, mesmo o que apenas julgou que o seu interlocutor disse ou vai dizer...
Perde as estribeiras como ninguém se alguém o contradiz, ainda que ao de leve.
Temperamental, sente-se perto dele o conflito latente. Ninguém pode ter paz ao pé dele, apesar de ser muito sociável. Tem picos sempre prontos a espetar alguém, seja o interlocutar, seja terceiros. Gera facilmente o desconforto à sua volta.
Em comum com o meu avô tinham a integridade moral (irrepreensível) e uma inteligência (não lapidada) acima da média.
Apesar de feitios tão distintos e opostos, ambos gostavam muito um do outro e nunca conflituaram nem ao de leve.

Herdei pois duas tradições genéticas, que em mim se fundiram de forma feliz. Mantive a inteligência acima da média (que tive a oportunidade de cultivar) e a integridade moral. Quanto ao modo de ser, sou tranquilo no modo de me relacionar com os outros. Mas mantenho uma rebeldia essencial, sempre pronta a desconfiar das verdades que me querem impingir. Desconfiado das instituições. Desconfiado das produções mentais alheias.

O meu lado tranquilo ensinou-me a aceitar as pessoas de forma incondicional. Gosto delas, de umas mais do que de outras, mas sinto-me sempre livre para não engulir as suas verdades. E não sinto qualquer tentação de as criticar, julgar ou aperfeiçoar. Esta aceitação tranquila do outro também me beneficia. A minha auto-aceitação tranquila é um dos pilares do meu modo (feliz) de ser.

O meu lado rebelde desconfia do que as pessoas pensam. Está sempre a relativizar. E relativiza até as próprias produções mentais que eu mesmo engendro.

Sou radicalmente rebelde. E radicalmente tranquilo.

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Wednesday, November 15, 2006

 

Outro dia criei dois slideshares

Podem ser vistos aqui:

http://slideshare.net/josefportugal/poemas-de-josef

http://slideshare.net/josefportugal/imagens-do-baixo-alentejo/

 

Ser importante para quem?

Visto de fora, sou absolutamente inimportante
E não me importo.

Visto de dentro sou o centro do (meu) universo,
O âmago de tudo, Deus.

Quando cessar, cessa em mim tudo o que existe
E morre Deus um pouco
Renascendo de mil formas nesse instante.



A minha auto-importância é infinita
Não pode crescer nem diminuir.

A minha inimportância exterior varia um pouco, quase nada.



Cada ser humano, poderoso ou insignificante , visto de fora,
Tem para mim, o direito
de usar o mesmo critério:
Ser Deus para si.


A Deus tudo é permitido, excepto, talvez, inexistir.

 

Fui à praia

Fui à praia
Entrei no mar, mergulhei
Enguli, sem querer, um pouco de água.
Saí do mar. O mesmo ou outro? O mesmo e outro.


Vim da escuridão eterna
Aonde regressarei.
A mesma ou outra?
A mesma e outra.


Os olhos do futuro fitam-me
E não me reconhecem
Como o fariam, se lá
Já não é o meu lugar?!


 

Se um dia...

Se um dia você se encontrar com Deus o que lhe dirá?


Obrigado!


E que gostaria que ele te dissesse?


Benvindo!

 

A Beleza das Coisas

A realidade é tão extraordinária – nisto coincidem os cientistas e os poetas – que não pode absorver-se pura; ingerimo-la sempre diluída na nossa fantasia.

 

Sobre o aborto

Ser humano
Ser humano significa, entre outras coisas, ser capaz de um leque de comportamentos muito alargado e bastante imprevisível. Contrariamente aos outros animais, que dispõem de um leque comportamental bastante mais reduzido, essencialmente determinado pelos genes e bastante mais previsível.
Ser humano significa ser capaz de coisas muito acima de condição que partilhamos com os animais (a condição animal) e de coisas muito abaixo dessa condição.
A linguagem, o raciocínio abstracto, a capacidade de previsão, o cálculo mental, a imaginação, etc. colocam-nos bem acima da condição a que estão remetidos os restantes animais.
Matar por nada, desprezar, invejar, querer mal, etc. colocam-nos bem abaixo da condição animal geral.
E praticar aborto – matar a vida ali, onde ela é mais frágil e se supõe mais segura?
Aborto é crime contra a vida. Mas é também crime na lei penal: a lei criou algumas excepções em que ele é aceitável. Discute-se agora se deve ser geralmente aceitável até às dez semanas.
Mas matar pode ser aceitável? Sim, nalguns casos. Em legítima defesa, por exemplo. Ou no caso do aborto, aceitável quando esteja em causa a vida da mãe (equiparável à legítima defesa), quando exista malformação grave do feto ou quando a gravidez for resultado de violação (é aceitável que a mulher não queira dar à luz o filho do seu algoz).
Mas nos outros casos, aceitar o aborto por simples opção da mulher – parece ir-se longe demais. Se é crime, para a lei, às onze semanas, que razão essencial faz com que deixe de o ser às dez? Há alguma diferença? Claro que não. É uma convenção. Certo que a lei é muitas vezes mera convenção. Mas não quando se justapõe à ética fundamental. E nada é mais fundamental do que aquilo que directamente diz respeito à vida humana.
A pena prevista para o aborto é a de prisão até três anos. Pena que em regra será suspensa na sua execução. Isto é, nenhuma mulher vai presa por praticar o aborto, excepto se repetidamente o praticar, o que certamente configura um caso de crime reiterado, caso em que a prisão efectiva se justifica plenamente.
Resta o argumento dos efeitos maléficos da criminalização, forçando quem não tem meios para ir praticá-lo no estrangeiro, a ter de o praticar em locais sem condições de higiene e segurança.
Se for descriminalizado até às dez semanas, defende-se, isso permitirá acabar com o aborto clandestino, o que seria sem dúvida um bem inestimável. Pode ser que sim, mas há muito quem duvide. Deveria observar-se se isso é assim nos países que antes descriminalizaram.
Em todo o caso, a lei actual parece-me adequada.
Mas não me oponho a que a sociedade descriminalize, se a maioria da população assim o entender. Para a sociedade, até às dez semanas até pode deixar de ser crime. Para mim continua a ser.
No referendo, não votarei. Aceito qualquer das maiorias que se forme, sendo certo que prefiro que vença o não.

 

Apolo

Ontem vi na rua um cãozito de pequeno porte, roliço, de pernas curtas e de pêlo curto amarelado.
Lembrei-me do meu Apolo. O meu cãozito de estimação.
Sempre gostei de cães. Na minha infância e adolescência pedia por vezes aos meus pais que me arranjassem um. Mas nada feito. Lá pelos meus 17 anos, em Abril de 1978, convenci os meus pais a deixar-me levar para casa o Apolo, um cãozito fofíssimo com dois meses.
A nossa paixão mútua foi crescendo de dia para dia. Meteu-se o Verão, ele crescia e ficava esperto, ia comigo para todo o lado. Fiz 18 anos em Junho, tirei a carta de condução e o Apolo passou a viajar comigo no lugar do pendura, todos os dias.
Era um cão tão simpático que cativava todas as pessoas e todos os cães. Nunca vi cão mais lindo, esperto e simpático.
Mas o destino ou algum diabo mal-intencionado resolveu interpor-se nesta história: Em Setembro, com sete mesitos, morreu atropelado debaixo da roda de uma carripana velha, num caminho rural.
E o pior é que quem estava ao volante era eu.
Ter tido este amigo de quatro patas e tê-lo perdido assim ensinou-me algumas coisas que de outra forma não entenderia. Essencialmente, que se pode amar um animal. E que perdê-lo pode representar um sofrimento maior do que a perda de um familiar, mesmo próximo. Habilitou-me a entender outros em circunstãncias idênticas. Mas, confesso, preferia continuar ignorante. O preço foi alto demais.

Friday, November 10, 2006

 

Sobre Deus

O assunto “Deus” não pode deixar de estar presente num ser humano pensante, porque por um lado, a existência é um facto (ao invés da inexistência) e porque cada um de nós participa dela e sendo racional, pode pensá-la.

Temos (os humanos) uma mente reflexiva, que ao longo do tempo e das civilizações criou visões de mundo e visões explicativas do mundo. Criou deuses e religiões. Por fim, criou crenças na inexistência de qualquer suporte sobrenatural para a existência (ateísmo). Alguns pensam que nada se pode saber sobre isso (agnósticos). Há ainda os que acreditam que a criação demonstra a existência do Criador, mas, baseando-se numa base racional, excluem a “verdade revelada” das várias religiões.

Acredito que as formas primitivas de religião, entendidas como explicações para a existência, cujas inúmeras manifestações eram frequentemente incompreensíveis pela razão, nasceram da necessidade de dar sentido aos fenómenos da vida e da natureza tão incompreendidos.

Seriam manifestações da “mente mágica” que tende a imaginar ligações ocultas onde nada existe.

Mas cedo, em todos os povos, fruto do gregarismo do ser humano e da sua característica visão hierarquizada dos grupos, presente em muitas espécies de mamíferos (primatas, lobos, etc.), os líderes de grupo ou de clã (os machos alfa) perceberam que a visão religiosa/mágica, devidamente manipulada, era um poderoso aliado da hierarquia, fortalecendo os dominadores e ajudando a submeter os restantes. Um factor de obtenção e/ou de preservação do poder. Também um importante factor de coesão grupal (pela comunhão de ideias, crenças e rituais).

Por isso as religiões foram ganhando, em todas as civilizações, um lugar de primeiro plano na vida das comunidades, ao lado da política e com ela entrelaçadas (o que é ainda evidente, por exemplo, nos povos islâmicos).

Em muitíssimos povos, o líder era simultaneamente um líder político e um líder religioso, quando não um semi-deus.

Em resumo, existe na natureza humana uma predisposição natural para encontrar explicações e nexos para os fenómenos que presencia, numa visão coesa. As religiões deram respostas pré-fabricadas a esse anseio, tranquilizando as mentes. Mas tiveram sucesso, sobretudo, enquanto constituíram um poderoso aliado do poder político dominante.

Com o Iluminismo (Séc. XVIII), a mente racional ganhou terreno, oferecendo cada vez mais território à explicação racional dos fenómenos e menos às religiões. Nasceram as bases do ateísmo, do materialismo, do nazismo e do comunismo. Mas também do desenvolvimento científico e técnico acelerado, diria mesmo vertiginoso, do Séc. XX.

Paradoxalmente, foi o fundamentalismo religioso (islâmico) a protagonizar o primeiro grande acontecimento do Séc. XXI – o nine/eleven, o derrube da torres gémeas de Nova Iorque, em 11.9.2001.

A história humana é demasiado pródiga em desastres e mortandades inspiradas por visões de mundo fortemente religiosas (cristãs, islâmicas e outras), para que isso constituísse novidade. Mas não deixa de ser irónico.
Entretanto, o desenvolvimento científico e técnico veio trazer um poder acrescido aos Estados, tão poderosos com esses novos meios, que desenvolveram guerras e destruições a uma escala nunca vista. E deixaram de lado o velho aliado, cada vez mais atrofiado – o pensamento religioso.

Surgiram também novos aliados da coesão social – a comunicação social e a massificação educacional. Elas permitiram forjar gerações de cidadãos normalizados por um fundo comum de visão de mundo, que interessa e é muito mais eficaz à manutenção das instituições políticas do que o velho aliado – a religião.

A riqueza das nações, o bem-estar dos cidadãos, o progresso da medicina, a difusão da educação e da cultura geral, em particular nos países mais desenvolvidos, elevou muito os níveis de conforto, qualidade de vida e longevidade dos povos. E foram as ciências e as tecnologias e não a religião, os responsáveis por tudo isso.

Sem ignorar que também o progresso tem os seus efeitos perversos, e não são poucos, há que reconhecer que ele seduziu e seduz as gerações do presente, deixando um lugar muito pequeno para a religião e por acréscimo para a ideia de Deus.

E no entanto, a velha questão não morreu. A ideia de Deus merece reflexão.
Existe ou existiu Deus? Se sim, porque não interveio ou intervém nos assuntos humanos, impedindo o imenso caudal de sofrimento aparentemente inútil e injusto que cada dia acontece?

Ultrapassada a utilidade tradicional das religiões como factor político, a questão metafísica continua.

O universo conhecido tem complexidade infinita, dinâmica imparável, vida multifacetada, beleza e sentimentos. Ocupa um lugar imenso onde poderia existir coisa nenhuma. E cada um de nós é parte integrante desse imenso existente dinâmico. Uma energia poderosíssima move-se e faz mover incessantemente o universo, manifestando-se de diversíssimas maneiras – luz, calor, radiações, gravidade, elecromagnetismo, energia sexual, pensamento, emoções, vida, enfim… (e tudo o que a ciência ainda desconhece, por enquanto).

Isto, é só por si prova bastante de que somos parte de algo avassaladoramente complexo, belo, inteligente, vivo e sensível.

Por mim, chamo-lhe Deus.

Deus é tudo o que existe – desde a natureza bruta de uma pedra milenar ao melhor vislumbre do mais sensível dos poetas.

Está presente um tudo, até no que, visto pela nossa limitada visão de humanos, nos parece mau, cruel, terrífico ou inexplicável. Porque cada fragmento do que acontece é uma forma particular da energia divina. Nada se ganha ou se perde. Tudo muda simplesmente de lugar ou de forma. Não posso dizer que a minha mão direita rouba o anel da esquerda, porque ele simplesmente era e continua meu. Toda a matéria que me constitui, cada átomo, sempre existiu, em permanente rodopio, associado a milhões de formas, participando de vidas e de mortes (aparentes, pois na verdade nem um jamais sucumbiu ou virá a sucumbir).

Quando eu morrer, cada átomo seguirá a sua interminável viagem. Somente a minha personalidade, o meu ego, se perderá para sempre. O que aliás não tem a menor importância – ele é uma ilusão (um efeito ilusório criado pela energia – Deus ) que somente tem uma função prática, como guia nesta vida e é totalmente irrelevante logo que esta termine.

Deus é pois uma energia infinita, poderossíssima e ao mesmo tempo ultra-sensível, de que fazemos parte.

Em nós estão presentes, em pequeno grau, muitíssimos aspectos da energia, desde os elementos aparentemente rudes – átomos de ferro, níquel, carbono, oxigénio e hidrogénio, etc., até aos aspectos mentais capazes de elevadas perfomances – linguagem (do palavrão ao poema), memória (pessoal e colectiva), imaginação (desde a asneira ao génio) sensações e sentimentos (de indefiníveis a paixões ardentes).

Muitos desses aspectos estão presentes por todo o universo, outros são comuns com o reino mineral, outros com os reinos vegetal e mineral. Mas outros são especificamente humanos.

Nalguns aspectos somos animais selvagens, noutros animais domesticados.
Somos também capazes de grande criatividade e de grande estupidez. De altruísmo, de inveja e egoísmo. De amor e de ódio. De alegria e de tristeza.

Tudo isso são manifestações parcelares da energia de que somos feitos e de que tudo é feito. Há um parentesco intrínseco entre tudo o que existe. (Por isso a mente que guia o que escrevo e o corpo que a suporta são formados essencialmente por água – coisa aparentemente tão banal).

Nada é banal. Nada é inútil ou descabido, nem mesmo o sofrimento e a morte. Nem a pedra do caminho, nem o vírus fatal. Nem a mosca incómoda nem o tsunami devastador. Porque todos são aspectos da complexíssima vida de Deus, de que somos parte.

O que em nós é aparentemente rude, são átomos de Deus.
O que em nós pensa, são pensamentos de Deus.
O que em nós sente, são sentimentos de Deus (é o seu coração, enfim).

Talvez cada um possa escolher um pouco, com o seu modo próprio de ser e de sentir, para que Deus manifeste mais aspectos sensíveis e belos e menos aspectos feios e duros da sua poderosa natureza.
Como? Sendo cada vez mais humanos (permitindo que através de nós se manifeste o que Deus tem de melhor – amor incondicional, benevolência, compaixão por todos os seres sencientes).


A pergunta Deus existe? é tão absurda como eu existo?

À pergunta o que é Deus? Respondo : absolutamente tudo.

 

Poema

A Sebastião Salgado
Aos Dinkas do Sudão





Olhai os primitivos actuais
Com os seus filhos
E os seus animais.


Não têm stress ou ansiedade
Não vêem televisão,
Ignoram a publicidade.


Olhai o cidadão desenvolvido
Rodeado de milhões de coisas,
Entre todas elas dividido.


E vereis, que coisa esquisita:
Quem nada tem, nada lhe falta;
Quem tudo tem, falta-lhe vida.




Thursday, November 09, 2006

 

Entrei na blogosfera...

Para quem gosta muito de ler, a net foi uma grande descoberta. A minha insaciavel curiosidade encontrou a fonte inesgotavel onde beber.

Alem disso, permitiu finalmente o dois em um - instrumento de trabalho e de lazer. Totalmente em harmonia com o meu modo de ser e de estar, em que trabalho e prazer estiveram sempre indistintos.

O meu teclado nao me deixa colocar os acentos nas palavras por isso vao assim mesmo. O leitor sabe onde eles deviam estar e agora sabe tambem que a culpa nao e minha.

A net e uma fabulosa descoberta. Espero que nao a estraguem muito como tem feito com a televisao.

Enquanto houver liberdade na net havera alguma liberdade no mundo, apesar de todos os constrangimentos, visiveis e invisiveis.

Viva a liberdade! Viva a internet! Viva a humanidade!

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