Thursday, November 26, 2020

 

Os ricos e os livres

“Deus deu-me a graça de ser pobre” Salazar. “ Não há nada como nada ter” Max, sem-abrigo bejense da segunda metade do século XX. Não conheci ricos suficientemente ricos para serem livres. Suponho que existam, embora tenha dúvidas. Conheço os outros, os escravos, os que precisam de trabalhar para tentar garantir a sua subsistência e dos seus. Mas não só os escravos estão privados da liberdade. Os ricos, os suficientemente ricos para não depender do trabalho, também não sabem ou não podem ser livres. Estão prisioneiros das suas crenças, dos seus temores, dos seus vícios, das vicissitudes das suas vidas e das dos seus entes queridos. Sejam de saúde, comportamentais e mesmo financeiras. Afinal, quem mais tem, mais tem a perder. Podem estar desobrigados dos pequenos problemas financeiros, que aos pobres atormentam. Mas ocupam as suas mentes com mil motivos de preocupação, reais ou imaginários. (Isto sou eu a supor, pois como disse, nunca conheci nenhum rico suficientemente rico). Mas existe um tipo de gente, talvez sonhadores, poetas ou místicos, para quem a liberdade é o valor supremo. Não liberdade de fazer o que lhe der na gana, mas a liberdade de tudo relativizar, obervando como são baixinhos os muros que nos cercam. Esses, são suficientemente altos para ver mais além. Sem a certeza se o que vislumbram é real ou apenas imaginação, mas enebriados, quotidianamente, com paisagens que dão para o Infinito. A estes considero livres. Quero ser um deles.

Thursday, November 12, 2020

 

A simetria das meias-verdades

Funcionamos e orientamo-nos na vida, razoavelmente, ora acertando, ora errando, crentes em meias-verdades, que tomamos por verdades. 1. “Tudo vale a pena, se a alma não é pequena”. Eis um dos versos mais conhecidos de Fernando Pessoa. É uma meia-verdade inspiradora e otimista. 2. Mas o grande poeta, sendo também um filósofo, conhecia bem a imperfeição das meias-verdades, que só com o seu oposto ganham consistência. Por isso, também escreveu: “Fui tudo. Nada vale a pena”. 3. Ou “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”, verso otimista, carregado de esperança na harmonia íntima dos esforços dos homens com a vontade divina. 4. Mas o poeta não ignorou a meia-verdade oposta: “Dorme, que a vida é nada! Dorme, que tudo é vão!”. 5. Os orientais falam desde tempos imemoriais da energia vital, o Chi ou Ki, ou Prana, contendo duas forças opostas, sempre presentes (o Yin e o Yang). 6. O Ocidente foi descobrindo, primeiro com os sentidos, depois com a inteligência, ampliada pelas Ciências, cada mais, essa incindível presença dos opostos, por toda a Natureza (incluindo no corpo humano): dia/noite, positivo/negativo, quente/frio, fogo/gelo, luz/escuridão, masculino/feminino, o magnetismo e a eletricidade, com os seus polos opostos, etc. 7. No pensamento e ação política, identificam-se tendências: direita e esquerda, conservadores e progressistas, pros e contras, em quase todos os temas colocados à discussão. 8. Na reflexão filosófica e religiosa, o Bem e o Mal, o amor e o ódio, os defeitos e as qualidades, etc. 9. As meias-verdades são muito sedutoras, como a luz, que nos faz esquecer a existência primordial do seu oposto, a escuridão. Como a vida, que nos faz esquecer a omnipresença da morte. 10. Talvez valha a pena não nos contentarmos com as meias-verdades, buscando sem medos ou preconceitos, as meias-verdades opostas, numa admiravel simetria.

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