Friday, January 31, 2020
Ioga, uma reflexão
Como admirador de muitos
pensadores, poetas e místicos hindus, desde cedo tomei contacto com
os ensinamentos ancestrais do Ioga. Fui lendo, tentando entender, e
tentando praticar, como auto-didata.
Do que fui
interiorizando, resultaram várias observações:
- O Ioga não é um desporto nem uma terapêutica (embora possa ter e tem benefícios consideráveis para o corpo e para o espírito).
- O Ioga tem uma enorme diversidade de escolas e práticas tanto na India como pelo mundo fora. Todas se dirigem a metas idênticas: orientar cada um para estados superiores de consciência e harmonia interior, através das várias práticas. No O objetivo maior seria a libertação (Moksha) das limitações do corpo e do ego.
- O Ioga representa a união. A união consciente do ser individual com o todo de que é parte.
- Pretende-se nos vários patamares de consciência a que se acede, clarificar cada vez mais essa pertença e essa maravilha. Experimentar esse suave deslumbramento.
- No nível básico, o Ioga propõe o aperfeiçoamento do domínio e consciência do corpo, mediante práticas de posturas (asanas) e práticas respiratórias. Eventualmente, são também usados mantras: sons ou frases, repetidas, alto ou apenas mentalmente, sendo o mais importante o som “AUM”, que parece ser o estimulador de várias zonas do corpo, importantes para os fluxos energéticos.
- Este nível básico, ou primeiro patamar, foi trazido para o Ocidente nos últimos cem anos e tem cada vez mais seguidores, sendo hoje algo conhecido e reconhecido pela generalidade das pessoas. Até já foi criado pelas Nações Unidas um dia Mundial do Ioga, em reconhecimento pela sua importância tendencialmente universal.
- Sem dúvida que esse patamar básico, independentemente das escolas, proporciona níveis mais elevados de autoconsciência do corpo, mais flexibilidade e força, melhor equilíbrio, mais bem-estar. Tanto físico, como psicológico, que aliás estão sempre intimamente ligados.
- Mas o Ioga oferece também outras propostas, no sentido de guiar a pessoa no caminho da espiritualidade. Uma delas, a mais conhecida é a meditação. Mas a meditação, é algo de equívoco. No Ocidente, meditar é pensar em algo, ponderar os prós e os contras, etc. A meditação oriental é exatamente o oposto: é esvaziar a mente, não pensar em nada. Fácil de dizer mas difícil de realizar. A mente é como um animalzinho irrequieto. Estar e apenas estar, sem se ocupar de nada, de nenhum pensamento, parece tarefa impossível. Mas, com treino, é possível e também aqui um instrumento propiciador de saúde psíquica ao sujeito, ajudando-o a livrar-se de todo o lixo acumulado, preocupações, ansiedades e medos que o desafios do quotidiano sempre acarretam.
- No Ocidente enfatiza-se e está na moda o Mindfulness, ou seja o treino da mente em focar-se no imediato, com todas as suas capacidades, o concentrar-se no aqui e agora. Isso pouco ou nada tem a ver com o Ioga, que seria mais um Mindemptiness.
- Mas, além da melhor gestão do corpo (que também passa por conselhos alimentares – preferência por dietas total ou maioritariamente vegetarianas) e da mente (através da meditação, na aceção oriental, de mente vazia e quieta) – o Ioga, propõe (nos patamares seguintes) uma melhor gestão das emoções. Sabemos bem como, no embate com os desafios da vida e as vicissitudes das relações humanas – amorosas, de amizade, de trabalho, de vizinhança ou meramente circunstanciais, nos afetam emocionalmente. Vezes demais as emoções que vivemos são o reflexo ou a resposta reativa aos comportamentos alheios.
- O Ioga pretende que aprendamos a gerir melhor as nossas emoções, oferecendo-nos uma cada vez maior e mais forte consciência de que somos nós os donos das nossas emoções (não os outros).
- Finalmente, o Ioga pretende ensinar-nos a gerir a nossa energia vital. Ela é em nós a expressão local de uma energia universal, colossal, infinita e inesgotável, que se confunde com a divindade. Conscientes dessa conexão, como poderiam alguma vez ser poucas as nossas energias?. Alimentada pela energia universal, a nossa torna-se igualmente inesgotável.
- Mas afinal, Ioga para quê mesmo? Para transformar a pessoa comum num ser mais evoluído espiritualmente. Menos cativo das suas pulsões e limitações físicas, mentais e emocionais, mais livre. Mais harmonioso e em paz consigo mesmo e com os outros. Um ser mais gentil e amoroso, consigo mesmo, com os outros, com os animais e a natureza. Com tudo o que toca. Seres em que o ego foi senão destruído, pelo menos relativizado ou desligado sempre que desnecessário, centrando-se a pessoa no seu eu profundo, onde nada é senão um portal para o divino.
- Mas como cada pessoa é um caso e uns buscam evoluir e outros não, temos um ambiente social povoado por gente de todo o tipo e em níveis evolutivos muitíssimo diversos. Não querendo ser eremita, cada um deve aprender a respeitar o outro e a condescender com o seu nível, por vezes muito limitado de consciência. Uma certa doçura de trato com todos, a que podemos chamar amor ou apenas gentileza, deve poder aplicar-se a quase todas as situações. Por vezes não será fácil, sobretudo quando, sendo nós seres violentos, sejam violentos connosco. A nossa resposta animal será certamente o impulso do contra ataque violento e não a paciência e a tolerância. Mas se percebermos a tempo, podemos quiçá desviar a nossa energia destruidora para algo inofensivo, através do riso. O humor, essa arma genial de que a natureza também nos soube dotar.
- Notas:
1- Não vou falar de nadis, kundalini, chacras, sexo tântrico, iluminação, nirvana, karma, reencarnação, kama, sutras, glândula pineal, geometria sagrada, etc.. Não sei se tais conceitos têm alguma realidade ou são meros simbolismos. Sei que nada acrescetaram à minha construção interior da compreesão que me coube atingir até ao momento.
2- Quem apenas acrescenta duas aulas de ioga à sua rotina semanal, pode oter alguns benefícios físicos e psicológicos. Uma maior tranquilidade, uma desenvoltura física e uma energia mais acentuadas. Mas se, no resto dos dias não se motivar pelos princípios orientadores do Ioga, perde benefícios superiores. Idealmente, cada praticante deveria ir transformando gradualmente o seu modo de funcionamento quer físico quer psíquico, deixando que o Ioga se instale em si como uma segunda natureza. Ir substituindo as atitudes e modos e funcionamento, tanto físicos como psicológicos, frequentemente em modo automático ou compulsivo, por um modo de funcionamento, desejavelmente em contínuo, iluminado pela consciência do que acontece e de como se age e reage, tanto físicamente (posturas, gestos conscientes) como a nível psicológico (como um segundo ser observando o que pensa e sente e guiando-o suavemente para o terreno luminoso da harmonia, da paz, da aceitação, da alegria).- Nunca esquecer a importância da coluna reta. A coluna é uma espécie de eixo do universo, ao nível do corpo humano e do pequeno mundo que o rodeia.
- Gerir bem o corpo a mente, de seguida a mente, de seguida as emoções e finalmente a energia vital. Tudo para conseguir alcançar um nível de consciência e harmonia com o todo, com a Existência, um modo de devoção, livremente assumida. Livre para adorar a criação, de que se faz parte.
- Um distanciamento, ainda que temporário e pequeno, das limitações do ego, do corpo e da mente. Uma imersão voluntária e amorosa no todo.
Wednesday, January 29, 2020
O medo
Há muitas formas de
medo, mas essencialmente diria que são duas: o medo animal e o medo
humano. O medo animal é a resposta automática e instintiva a uma
ameaça atual ou iminente, real ou aparente. O medo humano é gerado
pela mente, face a cenários hipotéticos por si criados.
O medo animal é bom,
essencial à defesa da vida e da integridade. Desencadeia mecanismos
de defesa e contra-ataque, quimicamente potenciados (adrenalina) e dá
ao sujeito boas chances de resposta eficaz, essencialmente luta ou
fuga, com a máxima energia e rapidez que tiver.
O medo humano é mau.
Tolhe o sujeito, impedindo-o de fazer o que deve (ou adiando) ou
levando-o a fazer o que não deve. Essencialmente, é um desperdício
de energia e uma causa de ansiedade desgastante. Sofrer por cenários
criados pela nossa mente é sofrer por coisa inexistente. É um
auto-massacre, prejudicial à saúde e ao bem-estar interior.
Precisamos conhecer melhor o funcionamento da nossa mente, para
usá-la em nosso benefício e não contra nós.
Wednesday, January 22, 2020
A conexão
Somos terminais
nervosos finitos de uma Existência ilimitada (no espaço) e infinita
(no tempo). Somos finitos e limitados sim, mas enquanto existimos
estamos inevitavelmente conectados ao Ilimitado. Tudo o que existe
está conectado. Mas somente os humanos podem desenvolver uma
CONSCIÊNCIA dessa conexão essencial.
Os animais e as crianças
pequenas têm um nível básico de consciência. Mas os jovens e os
adultos podem, se para isso se orientarem, desenvolver níveis mais
elevados de consciência e descobrir que estão conectados com o
Ilimitado. Como o PC ou o smartphone são terminais que, uma vez
conectado à net, têm acesso ilimitado a (virtualmente) todo o
conhecimento humano acumulado e em acumulação, também
similarmente, cada pessoa pode perceber essa conexão e, mesmo
limitado por um corpo, por uma história, por uma mente, do ponto de
vista existencial, sabe e sente que faz parte do Ilimitado, pois está
inevitavelmente conectado. Perceber isso é uma espécie de
revelação, um desvendar de um mistério. A morte não existe. A
vida existe. Os corpos e os egos morrem. Mas que importa? Isso em
nada belisca o facto de que a Existência prossegue, gerando novos
terminais nervosos, onde se manifesta.
A personalidade, o ego,
a história pessoal, o nome a fama, a riqueza, o reconhecimento, o
sucesso financeiro ou social, tudo são pequenas e fúteis coisas
perante essa realidade poderosa: o Ilimitado manifesta-se em mim e
enquanto o faz eu sou abençoado. Tudo e todos são da família, na
verdade é o Ilimitado manifestando-se de variadíssimas e novas
roupagens. A mesma energia criadora pai/mãe de tudo. Deus.
Sunday, January 19, 2020
Mudança e permanência
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Luís de Camões
Tendo vivido
já por quase seis décadas, é fácil olhar para trás e observar a
verdade expressa nos versos do poeta: a mudança é uma
constante da vida, nas vidas e no mundo.
Mas, também podemos
observar que, pelo menos nas nossas breves vidas, existiram e
persistem algumas constantes, alguns pontos fixos. Por exemplo,
pontos fixos externos, o céu, o sol, a lua, o mar, a terra, o ar, a
água, a natureza, a interação com outros humanos e animais. Pontos fixos
internos, a respiração e a importação de dados do exterior,
processada sob a forma de pensamentos, sensações e emoções.
E podemos observar que
nós mesmo, mudando sempre, permanecemos os mesmos, no
essencial, como que sobrepondo às antigas versões de nós que já
fomos, novas versões que vamos sendo, na relação ininterrupta com
o mundo, os outros e connosco mesmos. As várias camadas sobrepõem-se
mas não apagam ou anulam as anteriores, apenas acrescentam.
E aqueles que ao longo
da vida nos marcaram de forma indelével fazem parte desse património
que permanece e vai connosco. Os que amámos continuam a ser “pontos
fixos internos”, quer ainda estejam vivos quer não.
Monday, January 06, 2020
O salto
Este ano de 2020, uma data curiosa,
redonda, bonita, iniciou com uma sensação de amadurecimento
interior, de completude, de harmonia, de ter dado um salto
qualitativo de consciência, de ter feito um upgrade para uma
versão mais robusta e amadurecida de mim.
A autoconfiança e autoimagem
melhoraram de forma muito sensível.
Espero que isto não seja um
epifenómeno químico transitório, mas sim um profundo e permanente
rearranjo da minha estrutura psicológica, visando uma maior
integridade como pessoa, num patamar mais elevado de consciência e
do ser, mais do agrado da minha alma.
Friday, January 03, 2020
2020 Oxalá
Fui um menino
precoce nas letras, o que muito maravilhava os meus pais. Era feliz,
brincava bastante, sozinho (filho único) e com outros meninos,
sobretudo nas ruas e nos campos em volta da minha aldeia – a
Jungeiros de outrora.
Por ter pai
autoritário, embora não violento comigo, desenvolvi uma
personalidade marcada por alguma timidez. Acentuada por usar óculos
desde os seis anos. Os outros miúdos corriam e saltavam, jogavam à
bola ou mais tarde, iam buscar para dançar as moças nos bailes
populares. A mim, os óculos atrapalhavam muitas dessas coisas banais
(para os outros).
Como fui sempre bom
aluno ou pelo menos razoável, prossegui estudos sem grandes
dificuldades e formei-me em Direito aos 23 anos em Lisboa (FDL).
Consegui vencer
alguma da tal timidez. Acabei por dedicar-me ao ensino (seis anos) e
à advocacia. Sem grandes resultados, pois a minha personalidade não
se enquadra muito bem nas exigências da profissão. Para piorar, a
evolução das leis e das práticas forenses foi no sentido que menos
me agradou: em vez de simplificação o sistema trouxe muito maior
complexidade e, pior, com a massificação da profissão, deixou de
ser rentável para muitos, eu incluído.
Quase nos 60, não
vejo o futuro nada risonho (parece tender a piorar). Porém, devido a
um inesgotável otimismo, que também sempre foi apanágio da minha
maneira de ser, acabo por ir folheando os dias o melhor que posso,
como se fosse em direção a um futuro, se não radiante, pelo menos
bonito (como o presente).
Claro que em termos
práticos, dependo do apoio da Conceição para poder levar esta
“vida flauteada”, como ela diz.
Que assim possa continuar
a ser, por este 2020 afora!
Oxalá!.