Friday, March 28, 2014
A Era do Descrédito
Durante anos vivemos na era do crédito. O crédito aprisionou famílias, instituições privadas e públicas, com o Estado na liderança, numa teia de dependências e constrangimentos que foi crescendo até se tornar insustentável. A crise internacional agravou a crise interna. Bancos foram salvos da falência com o apoio do Estado e passaram a funcionar em modo de segurança para evitar o colapso. Passaram dos lucros às perdas. Aumentaram juros, comissões e alcavalas, roubando clientes e dificultando muito o acesso a novos créditos. A economia entrou em recessão. O Estado evitou a falência por obra do apoio externo. Que o país terá de pagar a duras penas durante décadas.
O Estado Social fraquejou e está periclitante. Milhares de empresas, famílias e indivíduos abriram falência, centenas de milhar de pessoas perderam os empregos e os jovens tentam em vão entrar na vida ativa e cumprir os seus sonhos de uma vida normal e independente. Muitos emigraram e outros terão de o fazer. Sair do país, procurar mundo, parece ser sina antiga, sempre renovada, dos portugueses.
Desde 2009, o tempo é novo, de dificuldades económicas e financeiras para quase todos. Com sorte e engenho, talvez se possa vir a recuperar um dia algum equilíbrio e bem estar, que permita uma vida decente para a generalidade da população.
Mas algo se quebrou sem remédio pelo caminho: a confiança que os cidadãos depositavam no Estado e nas suas instituições. A confiança é muito melindrosa: uma vez quebrada, é quase sempre impossível de restaurar.
A minha confiança no Estado quebrou-se com os governos Sócrates, não tanto pelo exercício da governação, como pelo descrédito de que se cobriu alterando sucessivamente leis que ele próprio lançara, criando expectativas para o futuro, que as alterações iriam frustrar. Como continuar a acreditar nas leis, se afinal não passavam (também) de palavras ocas e promessas vazias (como as promessas eleitorais)?
Ajudei com o meu voto a eleger Sócrates. Tive de ajudar a destituí-lo, votando Passos Coelho, que lhe sucedeu. Porém, com este, o Estado caíu para novo patamar de descrédito, fazendo rolar pelas ruas da amargura a confiança dos cidadãos no Estado. O que hoje é, amanhã pode não ser. O que muda vai invariavelmente minando e arruinando o presente e as expectativas de futuro dos portugueses.
Nesta era do descrédito, ainda faz sentido votar? Para mim, não. Será da minha parte uma hipocrisia votar fingindo que acredito no Estado. Talvez não vote. Se votar, como mera prova de vida, votarei nalgum partido que seguramente não tenha hipótese alguma de entrar para a governação.
Assim, ficamos quites: votando, eu faço de conta que acredito. E o Estado pode fazer de conta que tem aqui mais um crente. A realidade porém é que o meu voto é inútil. Como sempre. A diferença é que agora eu sei.
Thursday, March 27, 2014
Agnóstico
Sou agnóstico. Não sei se Deus existe. Creio que não posso saber.
Sou portanto livre para escolher como viver: Entre viver como se Deus não exista e viver como se exista, escolhi o segundo caminho.
Nada a ver com qualquer religião organizada. Aliás todas me causam uma velha aversão.
Deste modo, a minha vida é mais rica e cheia de significado. Tudo encaixa e o que parece não encaixar eu aceito que parece assim por causa da minha infinita ignorância.
Imagino-o escondido por detrás de tudo o que existe, sobretudo nos seres inocentes, indefesos e vulneráveis - humanos e animais. O que fizermos a estes, para o bem e para o mal, toca-o, caso exista, no seu lado mais sensível e humano.
Sunday, March 23, 2014
Maria C
HERÓIS DO MAR-SÓ GOSTO DE TI
Esta noite sonhei contigo
Tantos passeios demos por aí...
Tantas festas, tantos olhares meigos.
A vida parece simples e boa.
E é, quando estamos ao pé.
Afastei-me de ti sem querer.
Sei que estás bem,tirando as saudades minhas.
Também eu, tirando as saudades tuas.
Por isso esta noite sonhei contigo.
Que encontro tão feliz!
Que audácia a tua!
No sonho, descobriste não sei como
Maneira de me achar.
Esta noite sonhei contigo, minha Linda.
Pai
Ontem, 22 de março, saiu uma entrevista com o meu escritor favorito atual: J. Rentes de Carvalho. Comprei, li e gostei. Depois emprestei o jornal ao meu pai, internado no hospital de Beja com um avc grave. Não fala, mexe pouco, não sei se nos conhece, mas acho que sim. Por vezes sorri e usa várias expressões faciais que parecem responder aos nossos estímulos.
Gosta de folhear jornais, mesmo que não consiga ler.
Será que um dia vai conseguir recuperar a fala, para me contar o que pensou durante este tempo estranho, de estar vivo com tantas limitações, sobretudo da fala e da compreensão?
Thursday, March 13, 2014
A família Vindima
Lá
por 1973-74 morava na “caseta” de Jungeiros a família Vindima.
Todos
muito simpáticos e meus amigos e dos meus pais.
O
pai era cantoneiro dos Regantes e passava pelos campos todos os dias
na sua bicicleta característica, abrindo as bocas de rega, falando
com os agricultores e tomando nota de pedidos de água para o dia
seguinte.
A
esposa, Dª Almerinda era muito gentil e amiga da minha mãe.O filho mais velho, o Zé Manel Santos, era meu amigo e trocávamos muitos livros de banda desenhada.
O mais novo era o Toninho, tímido e bondoso. Uma vez foi comigo ao campo ajudar-me a colher plantas para o meu herbário (um trabalho de botânica que eu temia fazer e que saísse uma bodega).
Apanhando papoilas, cantarolávamos um spot publicitário na moda “sugus de fruta, tu vais gostar” e desatávamos a rir. Moçada.
A
dada altura, a família veio morar para a minha rua e eu gostava de
ir lá ver a mini tv. Quase ninguém tinha (1974).
O
Zé Manel andava encantado com a música do Zé Cid “vinte anos”
e eu também fiquei fã.
De
repente a família mudou para Setúbal e perdi-os de vista.
O
Zé Manel levou-me todos os livros de banda desenhada e eu fiquei um
bocadito amuado, por uns tempos.
Outro
dia passei por lá com o meu pai, lembrei-me da família Vindima, mas
o meu pai parece ter apagado essa gente da memória. Eu não. Afinal,
o que são quarenta anos?
Quo vadis?
Água que corre.
De onde vem? do mar.
Para onde vai? para o mar.
A parte vai
de regresso ao todo
de onde proveio.
Sei de onde venho.
Sei para onde vou.
Mudo (-me) sem pressa.
Água que corre
Desdém civilizado
Desdém civilizado
É o que sinto pelo pensamento e convicções alheias.
As pessoas interessam-me pelo que são, que não muda e está certo.
Não pelo que pensam, que é instável e talvez errado.
Confio na minha intuição para me dizer quem são.
Câmara do Porto
Edifício da Câmara do Porto
Produto de vontades, talentos e muito trabalho de gentes há muito mortas.
A obra atravessa o tempo e encanta novas gentes.
De vez enquando passam por aqui os genes dos seus criadores, vestindo corpos atuais.
As pedras talvez tenham um arrepio de saudade.
Deus dá a sorte
Deus dá a sorte.
Boa ou má, a cada instante.
O modo como reagimos a ela
faz de nós corresponsáveis
pelo que somos e pelo nosso destino.
Wednesday, March 12, 2014
Credulidade
Credulidade
É uma característica básica da natureza humana, explorada desde sempre por muitos, em seu beneficio.
Perante novos dados e afirmações, se provêm de fonte que consideramos credível, tendemos a acreditar.
É mais simples e mais cómodo e permite formas muito variadas de coesão social. Os filhos acreditam nos pais e nos professores, os cidadãos nas autoridades e na comunicação social, etc.
E com isso, são mobilizáveis de forma pacífica, para comportamentos socialmente úteis ou desejados.
À sua sombra prosperaram as religiões, os regimes políticos e os sistemas económicos e prosperam os ricos e poderosos de todas as sociedades.
Modernamente, o poder politico está, por toda a parte, refém do sistema financeiro. E toda a gente crê e é levada a crer que não há saída para esta situação. É aguentar e tentar sobreviver às condições crescentemente adversas à vida que este modelo de organização social criou.
Mas, maugrado a nossa credulidade, o tempo induz mudanças, umas lentas outras rápidas, que levam a novos pontos de observação. E frequentemente pode ver-se como era falso aquilo em que antes se acreditou.
A credulidade, em mim, para o bem e para o mal, é uma característica menor.
Tendo a acreditar nas pessoas, como quase toda a gente, mas desconfio radicalmente das idéias que me tentam impingir.
Friday, March 07, 2014
Valor e preço
Vivemos rodeados de coisas
e de pessoas.
As coisas, umas usamos,
outras vemos usar, outras apenas observamos.
As coisas podem dividir-se
em:
com valor
com preço
(entre estas, com preço
e com valor e com preço e sem valor)
Como são tantas as coisas
com preço, tendemos a ignorar as restantes, como se somente estas
tivessem valor.
Nada mais errado.
Na verdade, as coisas de
maior valor não têm preço; o ar que respiramos, o sol que nos
ilumina e aquece, a terra que nos suporta.
A água tem um valor
extraordinário, mesmo que modernamente sejamos forçados a pagar um
preço por ela.
Cada coisa da natureza tem
uma beleza intrínseca e múltiplas utilidades naturais, que muitas
vezes desdenhamos, por não serem avaliáveis em dinheiro.
As nossa mentes estão
altamente corrompidas pela presença universal e asfixiante de coisas
com preço (grande parte delas sem valor).
As pessoas podem
dividir-se em:
pessoas que valem mais do
que têm
pessoas que têm mais do
que valem
Como as pessoas não tendo
preço, têm geralmente património, tendemos a avaliá-las por este
crítério.
Nada mais errado.
Muitas pessoas com
património considerável, são pessoas de pouco valor.
E muitas pessoas quase sem
nada são uma verdadeira maravilha da criação, em bondade,
generosidade, respeito pela vida e pelo sofrimento alheios, cuidado
com os outros.
Tanto o valor como o
património são instáveis, pelo que a cada momento alguém pode
mudar de categoria. Ao longo da vida mudamos porventura muitas vezes.
E só no momento da morte deixamos de poder mudar.
Thursday, March 06, 2014
Carnaval
De novo o Carnaval aconteceu e muita gente festejou. Gosto de saber e de ver, de relance, que muita gente fica feliz e contente com estas celebrações tradicionais.
Mesmo nada me dizendo as festas, a felicidade ilusória com que tantos nelas se contagiam enternece-me um pouco. Sobretudo pelas crianças e jovens, a quem a vida parece oferecer futuros fascinantes.
(O encanto pela inocência é o meu ponto fraco).