Friday, March 29, 2013

 

Justiça perra

O afã moderno de tudo regular ao pormenor, através de leis, regulamentos e sistemas de controle complexos, terá talvez alguns méritos – coibindo os abusos dos que de outra forma os cometeriam, em prejuízo de outros e da comunidade – mas também tem efeitos nefastos que são de todo indesejáveis. A arquitetura de normas, em permanente reconstrução, a que se convencionou chamar ordem jurídica, que a todos pretende impor-se, é cada vez mais incompreensível pelos seus destinatários. Uma parte substancial das regras que as sociedades modernas impõem ao cidadão comum é dele desconhecida ou incompreensível. Se aos próprios especialistas do direito é hoje impossível uma base de entendimento razoável sobre o alcance e significado de grande parte das leis, porque continuamos a ver erguer-se muito acima do olhar do homem comum a montanha fantasmática das leis? Com tal emaranhado, bem podem labutar os profissionais do foro, anos e anos nos tribunais, procurando soluções para problemas concretos. Raramente conseguirão em tempo útil resposta para os legítimos anseios dos que os procuram. Ao mesmo tempo, os incumpridores encartados, os vigaristas de toda a sorte, sobretudo os de fato e gravata, continuarão as suas vidas a salvo da justiça. Com leis complexas, em profusão estonteante e sem qualquer estabilidade ou fiabilidade, nenhum sistema de Justiça consegue fazer Justiça em tempo razoável. Com isso perde a economia e muito – em dinheiro, esforços e ansiedades vãs e perdem as pessoas, tudo isso e a confiança de que exista uma justiça que os proteja quando precisarem. A vida é simples. As pessoas conseguem complicá-la. As leis tornam-na num emaranhado de trilhos onde todos se perdem (embora alguns aproveitem para beneficiar do desnorte de outros). Um milésimo das leis, compreensíveis e aceites como justas pela generalidade dos cidadãos, tornaria o recurso aos tribunais esporádico e as decisões claras e rápidas. Muitos profissionais do foro teriam de mudar de profissão. O que não faria mal ao mundo. Muito pelo contrário.

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