Sunday, October 17, 2010

 

A luz



Quando a luz branca do sol encontra certa superfície, esta reflete-a e apresenta-se ao olhar que a vê como vermelha. Outra superfície reflete a mesma luz por forma a parecer consistentemente verde, ou amarela, azul, etc. A qualidade variada das superfícies pode refletir a mesma luz de modo a apresentar milhares de tonalidades, decorrentes de uma infinidade de misturas de cor. Virtualmente, existe um número infinito de cores. É impossível esgotar a paleta que resulta da mistura possível das cores base. No entanto, a fonte da revelação da infinita diversidade é a singular luz branca. A cor branca é a mãe de todas as cores existentes e possíveis. Um contem o infinito.

A poderosa energia-mãe que engendra e move o mundo e os seres, também se manifesta de variadísimas formas consoante os objectos e os seres que encontra, atravessa e com os quais se funde.
Manifesta-se como electricidade, magnetismo, forças nucleares, instintos, inteligência, emoções, etc.
Em cada cérebro animal, essa poderosa energia gera as sombras úteis à formação de uma visão de mundo adaptada aos objectivos desse animal – sobrevivência, reprodução e prazeres. Em cada cérebro humano também.
Essas sombras úteis, no caso dos humanos, têm tal verosimilhança que cada um acredita piamente na sua visão do mundo (e acha-a mais digna de crédito do que a dos outros). Aliás a nossa sugestibilidade é enorme - acreditamos tão facilmente nos cenários fantásticos e irracionais forjados durante o sono que jamais questionamos a realidade do sonho enquanto dura. Como questionaríamos a verdade da visão de mundo que temos quando acordados, onde tudo parece (e é) consistente e real (menos a nossa idéia disso)?

Viajamos pelo real, mas não guiados directamente por ele e sim por um mapa mental, tão magnífico e em permanente actualização que se substitui ao olhar directo. Mapa que nos ajuda e nos engana na mesma medida, impedindo-nos de (vi)ver realmente.

O real é quase insuportavelmente belo e luminoso. Talvez por isso tenhamos posto os óculos escuros da mente e habituados a eles, já não
podemos olhar o mundo directamente, a nú. E era a nossa única oportunidade.

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Saturday, October 02, 2010

 

O Touro



Esta noite tive um sonho intenso de que lembro a parte mais marcante: Estava eu numa fila, lado a lado com mais uns seis ou sete homens, encostados a uma parede rochosa, a pique. Eu era o da ponta; todos os outros se encontravam à minha direita. Diante de nós uma arena e solto nela um touro bravo, preto, enorme. Não nos movíamos ou por medo ou por não ter para onde fugir. De longe olhou-nos e aproximou-se veloz. Pensei que ia acometer contra alguns de nós. Percebi que era a mim que se dirigia. Virei-me de lado, estendi um braço, consegui atingir com a mão uma pedra saliente na parede natural e erguer o corpo, fixando com dificuldade ora um pé ora outro, ora uma mão ora outra. Alcei-me uns dois metros acima do solo. O touro ergueu-se sobre as patas traseiras fixou as dianteiras na parede natural, junto a mim. Aproximou de mim a enorme cabeça. Com a mão esquerda livre e não conseguindo subir mais, estendia-a devagar e, sem medo fiz-lhe festas na cabeça como se fosse um pachorrento labrador, oferecendo-lhe amizade. E surpreendi-me com o efeito extraordinário: o enorme touro aceitou as festas e gostou. Aquele concentrado de ferocidade, que podia matar-me num ápice, também apreciava ser tratado com meiguice e amabilidade.
Desta vez não morri, nem no sonho.



De acordo com leituras antigas sobre interpretação dos sonhos, o touro representa a morte. Este meu encontro onírico com a representação da morte pode ter muitas interpretações. Prefiro esta: Mesmo a morte, quando inevitavelmente vier, deve, apesar do medo, ser recebida com amabilidade. Como uma página do livro da vida que tememos, por ter escrita a palavra Fim mas que virá porque tem de vir e deve ser recebida com a mesma atitude que se teve perante todas as outras páginas da vida.

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