Monday, February 28, 2011

 

Pai

Cresci com um pai extremamente autoritário. O seu ponto de vista não admitia dúvidas e tinha de ser seguido, de preferência em silêncio ou com um amen. Jamais me deu um brinquedo, colo, uma festa, um dinheiro de bolso. Temia-o mais do que o amava. Suponho que era isso que pretendia.

Obedeci e calei. Cresci e segui a vida fora do lar paterno. Sempre que voltava, ele procurava reeditar a sua soberania sobre mim. E eu, por hábito ou por comodidade, deixava-o reinar em sua casa, convencido de ter sempre razão e os outros terem a obrigação de o reconhecer.

Se duvidava que concordassem com as suas palavras, o que acontecia com frequência, enchia-se de uma ira crescente, assustadora, ameaçadora, apesar de não chegar a vias de facto (sobretudo por não encontrar resistência suficiente).

Reconhecendo as suas qualidades de inteligência e boa vontade, sabendo-o dono de um lado sentimental forte soterrado pelo lado autoritário, aprendi a aceitá-lo e a gostar dele como é. Além do mais é meu pai.

Nesta fase da vida, sempre que nos encontramos, sente que eu lhe fugi ao controle, que já não o temo. E isso enerva-o solenemente. Reconta histórias, irrita-se ao lembrá-las, critica tudo e todos, debita palavrões enormes, exibe a sua ira e a sua revolta, procura assustar-me de todas as maneiras. Porém, o velho medo desapareceu. Isso deixa-o muito frustrado e afasta-nos.

Gosto dele, mas menos do que poderia. E menos do que me permite demonstrar, porque os meus gestos de aproximação são recebidos mal ou com indiferença. E os bons momentos de vida que podíamos partilhar não podem ter lugar, porque cada encontro é apenas a continuação da tormenta autoritária de quem se acha a única pessoa aproveitável. E que todos os outros, incluindo o filho, são uns camelos que não valem nada.

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Friday, February 18, 2011

 

Lamento não coisificar

Entendo muito bem que as pessoas criem, ao longo da vida, no atrito com a realidade e os outros, uma carapaça defensiva. Que tanto as protege como as impede de estender a sua humanidade facilmente, estabelecendo com os outros a identificação básica da sua humanidade comum.
Excluindo as relações que estabelecemos por utilidade ou necessidade, vamos abandonando as pontes gratuitas que podemos estabelecer com os outros, por simples partilha da condição humana.
Por comodidade, a nossa condição comum esquece-se e coisificamos os outros (ignoramo-los como pessoas e tomamo-las por coisas eventualmente móveis). No reverso, eles coisificam-nos também.
Não sou nada bom a coisificar os outros. Quando me cruzo de perto com alguém desconhecido na rua e somos nós os únicos humanos por ali, quase sempre cedo à tentação de olhar, cumprimentar e até sorrir. Infelizmente, muitas vezes, talvez a maioria delas, a outra pessoa segue o seu caminho impávido e sereno, ignorando-me como coisa que sou (para ele).
À força de se repetir, esta insólita cena já não me envergonha por aí além. Percebi que não sou o mendigo que suplica um sorriso e um olá, mas alguém disposto a dá-lo a quem quiser, cada vez menos incomodado por serem recusados. Mais perdem.
Insisto em ser assim. Lamento mas não sou bom a coisificar.

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Miopia

Sendo míope, aos seis anos passei a usar óculos. Habituei-me de tal maneira que quase deixei de senti-los como o estorvo que realmente são.
Brinquei bastante, corri, briguei, aprendi a nadar e a andar de bicicleta, fiz a escola, amigos, tudo sem que os óculos me impedissem. Exceto jogar futebol. Aí, as minhas tentativas, com algumas quedas, comigo para um lado e os óculos para o outro, depressa me afastaram do jogo. Como não podia divertir-me jogando, o futebol perdeu para mim todo o interesse muito cedo. Nem escolhi clube favorito e, adulto, mudo rapidamente de canal se dá futebol ou conversa sobre ele na tv.

Lá pelos dezasseis a coisa piorou um bocado com as idas à praia. Adorava o mar, nadava muito divertido, mas assustava-me um bocadito, ao sair da água, não saber para que lado ficavam os pertences. “Via” muitos toldos, toalhas e vultos, mas estava praticamente perdido sem os óculos.

Mas o pior de tudo foram os bailes de província.
Eram muito animados e toda a gente se divertia, crianças, velhos e sobretudo a malta nova, em idade de namoriscar.
Os meus amigos e os desconhecidos que por ali apareciam trocavam olhares com as moças, começando pelas mais belas e cedo arranjavam par, ficando por ali a rodopiar tempo sem fim.
Já o míope, às vezes com as lentes meio embaciadas pelo bafo do recinto fechado, não conseguia distinguir ao longe a expressão das moças e era impossível estabelecer essa comunicação sem palavras mas tão eficaz (para os outros). Temendo a rejeição mas armado de uma coragem nascida da vergonha de sobrar sempre e da vontade de ter uma das moças junto a mim, lá ousava ir buscar uma. Quando aceitavam, tentava dançar e até gostava bastante dessa proximidade, tão sugestiva de intimidade e afecto.

Mas a miopia fez-me sempre sentir em desvantagem perante os que viam bem (quase todos). Daí uma certa timidez, que me levou até aos 22 anos, virgem e sem namoro.

Depois tudo seguiu o curso de uma vida normal. Quase esqueci a fantasia imensa de um dia ver bem. Ter por algum tempo, antes da morte, a experiência, para mim incomparável (para os outros banal) de ver este magnífico mundo com olhos normais.

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Friday, February 11, 2011

 

Admiro muito

Jesus
Buda
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Nelson Mandela
Xanana Gusmão
Barack Obama
Madre Teresa de Calcutá
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Fernando Pessoa

Papa Francisco

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