Monday, November 23, 2009

 

Deus indeciso

Não sei se quis nascer ou não. Suponho que sim. Pelo menos da mesma forma inconsciente que qualquer semente quer ser árvore.

Mas sei que Deus esteve bastante indeciso, após o meu nascimento, em deixar-me ficar por cá ou desistir logo da idéia.

Durante uns meses estive entre a vida e a morte. O médico desistiu de me tratar dizendo que eu iria morrer em breve, não sabia mais o que fazer para o evitar.

O meu pai mudou-me de médico e o novo salvou-me em três tempos.
Deus vencera a indecisão a meu favor, se viver é o favor que parece.

Quase meio século depois ainda mexo e vivi uma vida interessante. Espero que só meia-vida e falte outra meia, mas isso é ser ambicioso demais.

Não fui bom nem mau, não imprimi em nada do que fiz um sulco duradouro. Achei o mundo um lugar fantástico e cruel. Sou tão tímido que achei melhor não temer nada. Pouco sei e nada tenho.

Estou permanentemente fascinado por continuar vivo a cada dia que me é dado viver, sabendo que esse privilégio a muitos vai sendo negado.

Alimento-me sobretudo de oxigénio e de amor. O resto, por mim, dispensaria.
Os outros prazeres do mundo são demasiado banais para mim.

Não sei que irá fazer Deus quando ponderar se valeu a pena deixar-me viver.
Acho que na hora vai certamente hesitar entre arrepender-se e achar bem.

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Thursday, November 19, 2009

 

Razão e Coração: a sobrevalorização do intelecto.

O intelecto, ou a razão, desempenharam um papel determinante no sucesso da espécie humana na colonização da Terra.

Hoje, a inteligência, massa comum com que se molda todo o progresso científico e tecnológico, continua a ser altamente valorizada. Todos querem estudar e ir o mais longe que puderem nos estudos. Há quem coleccione mestrados e doutoramentos.

A quantidade de conhecimento humano que é paginada todos os anos é colossal. Só para arrumar teses de doutoramento já produzidas seriam precisos alguns hectares de armazéns.

Mas, nas ilhas do Pacífico ou em África, ou na América do Sul, povos vivem sem nada disso.
E, curiosamente, a vida para eles tem uma alegria, um significado e profundidade muito superior à que encontramos nos homens-robots dos países industrializados: estes carregam muito conhecimento inútil à sua felicidade e perderam o acesso às fontes simples do bem estar e harmonia com a natureza e com os outros. Perderam a noção da grandeza e beleza da vida.

Afastados do meio natural, os homens-robots das sociedades desenvolvidas vivem incertos, stressados, murchos, sem esperança no futuro (apesar de rodeados de confortos inimagináveis pelos povos simples ou pelos seus próprios antepassados) sem conseguir encontrar um sentido e um significado profundo para as suas vidas, permanentemente bombardeados por uma multiplicidade de estímulos que o mantém à tona da insignificância.

A inteligência, que nos ajudou a manipular a Natureza e a explorar as suas incríveis potencialidades, simultaneamente afastou-nos dela. E de nós mesmos, parte que dela somos.

Da mesma forma que as tecnologias, como alguém muito bem disse, aproximaram-nos do que está longe e afastaram-nos do que está perto.

Mas o ser humano vem equipado com outro motor além da razão: o coração. Capaz de amar e de se emocionar, este seu dom especial poderá ainda vir a desempenhar no futuro um papel importante, como desempenhou por certo na história, às escondidas. Que sábios e guerreiros não foram antes filhos amados por suas mães, frutos de amor, só depois fortes para influenciar o mundo?!

É o coração (todos temos um) que teima em continuar a dar sentido às nossas vidas, por entre a imparável turbulência da vida moderna.

Precisamos desses dois guias, razão e coração, para nos levar vida fora, numa viagem que valha a pena.

 

yin e yang

frio-quente
escuridão-luz
nada-tudo
ausência-presença
vazio-cheio
adeus-olá
sul-norte
matar-parir
receber-dar
noite-dia
terra-sol
destruir-criar
morrer-nascer
feminino-masculino
passivo-activo
negativo-positivo
não-sim
desamor-amor
gelo-fogo
silêncio-som
imobilidade-movimento
sombra-claridade
partida-chegada
morte-vida
tanatos-eros
yin-yang


Homem ou mulher, temos tudo isso, numa dança interminável de contrários, dentro e fora de nós.

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Tuesday, November 10, 2009

 

Um doce mas perigoso engano

Durante a nossa infância e sobretudo na adolescência somos alimentados por histórias de amores perfeitos, pares ideais, amor para toda a vida, amor único, etc.
Talvez isso seja o resultado da sedimentação cultural da extrema sensibilidade e intensidade com que realmente cada um vive o primeiro amor.
Mas gera na mente um ideal, falso, de que para cada ser só existe um par perfeito e todos os outros ou não servem ou são fracas consolações.
Mas felizmente, não é assim. Pode (diria mesmo deve) amar-se muitas vezes ao longo da vida, de formas diferentes, consoante o parceiro e as circunstâncias, mas sempre de forma intensa e como se esse amor fosse único e eterno, mesmo sabendo que nada o é.
Ignorando isto, fiados no amor perfeito, no amor romântico dos livros e dos filmes, que, ou nunca chega ou cedo se vai, muitos perderão inúmeras oportunidades de amar e ser amados, de forma talvez menos perfeita, sim, mas infinitamente melhor do que não passar por elas.

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