Monday, January 17, 2011

 

O vento no canavial

O vento assobia no canavial.

Canas novas, canas velhas,
altas, baixas, fortes, tenras,
todas participam na música do canavial.

Todas balouçam ao vento.
Se uma faltar, a música muda, subtilmente.

O vento sopra como quer.
As canas deixam-se apenas balouçar.

Sem o vento não haveria música no canavial.
Sem as canas também não.

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Tuesday, January 11, 2011

 

Vinte e seis anos depois

Quando vim para Beja, fazer o estágio de advocacia, em 1985, o trabalho de escritório era bastante diferente. Escreviam-se os requerimentos e petições numa máquina de escrever manual (já havia elétricas mas nunca vira nenhuma) em papel azul selado. Logo se tiravam várias cópias, intercalando uma folhinha de papel químico antes de cada uma delas. Um erro menor dava um bocado de trabalho para emendar e sempre se reconhecia a emenda. Um erro um pouco maior (saltar uma frase ou um parágrafo) e ia tudo para o lixo, para se começar de novo.
Fotocopiadoras talvez já houvesse algures, mas não naquele escritório nem em nenhum lugar conhecido. Cada documento que se pretendia juntar tinha de ser selado, rubricado e datado. Só assim cumpria os requisitos para poder ser junto aos processos. As procurações forenses tinham de passar pelo notário para reconhecer a assinatura do cliente.As pesquisas de estudos e jurisprudência ocupavam-nos muito tempo de volta de velhos e novos calhamaços. Se o advogado não estava no escritório, as possibilidades de o contactar, numa urgência, eram muito reduzidas, por não existir ainda o telemóvel.
Que diferença vieram trazer primeiro as fotocopiadoras e depois os computadores, os telemóveis e a internet...
Também a legislação cresceu, mudou e muda a um ritmo alucinante, desfazendo de vez aquele grau de confiança no conhecimento das leis e na previsibilidade das decisões judiciais que antes o advogado podia ter. Hoje reina a incerteza jurídica.
Mas se o trabalho mudou e muito, não mudou menos o mercado de trabalho: Nessa cidade de vinte mil habitantes, existiam uns dez advogados, se tanto. Na mesma cidade, agora com uns vinte e cinco mil habitantes, existem actualmente cerca de oitenta. Largas dezenas de advogados iniciaram e entretanto suspenderam a inscrição, só nos últimos anos. O mercado, sobrelotado, mal permite a sobrevivência da maioria dos advogados. Um microcosmos que reflete uma realidade idêntica a nível nacional.

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Wednesday, January 05, 2011

 

Eu fui assim

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A avaria

Outro dia avariou a eletricidade da cozinha cá de casa. Chamado o eletricista, desmontou a fiarada, substituiu o que tinha de ser, testou e tudo deu certo. Admirei a sua destreza e rapidez. Uma verdadeira magia para quem não entende nada da matéria. Faltou apenas substituir uma ficha ardida. A do micro-ondas. Ele não trazia. Combinou que viria nesse dia, à tarde, montar essa ficha. Dei-lhe o meu cartão para me ligar, caso houvesse algum impedimento.
Não veio nem disse nada. Passou esse dia, passou outro e outro... e nada. Ou lhe aconteceu algo grave ou tem esse defeito tão comum e tão feio de não ter palavra nem consideração pelos outros. Será?

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Tuesday, January 04, 2011

 

Not with my vote

Chegados aqui, portugueses, à beira da falência do Estado,de inúmeras empresas, famílias e indivíduos, avistando já o tsunami avassalador da miséria generalizada, devemos concluir afinal pelo fracasso do modelo de sociedade que temos vindo a construir.
Desde o 25 de Abril tenho colaborado, votando, na eleição dos líderes políticos que têm conduzido a sociedade portuguesa até aqui, à beira do abismo. Por isso sinto-me corresponsável. Sei que a mentalidade dos portugueses foi sendo guiada por elites que ajudaram a este perigoso descalabro social e económico. São elas as responsáveis maiores. Por mim, atingi o grau zero da capacidade de acreditar nas elites, todas, sobretudo as elites políticas. Assim sendo, passarei a agir em conformidade: não voltarei a votar enquanto não voltar a acreditar no futuro de Portugal e nas pessoas certas para o conduzir. Se votar (para não poder ser acusado de preguiça ou desinteresse) votarei em quem não tenha a menor hipótese de ser eleito. Esse, nenhum mal poderá fazer com o voto que lhe dou.
Por enquanto, não tenho esperança alguma que quaisquer candidatos a lugares políticos mereçam confiança. Desacreditei mesmo na democracia.
Esta democracia só elege os piores dentre os que têm vontade de poder (já de si algo perturbadoramente doentio). Toda a escolha de lideranças deveria resultar, sim, da admiração que provem do mérito e da grandeza de alma e coração dos verdadeiramento grandes.
É uma falsa democracia, como apontou Saramago aqui “É verdade que podemos votar, é verdade que podemos, por delegação da partícula de soberania que se nos reconhece como cidadãos eleitores e normalmente por via partidária,escolher os nossos representantes no parlamento, é verdade, enfim, que da relevância numérica de tais
representações e das combinações políticas que a necessidade de uma maioria vier a impor sempre resultará um governo. Tudo isto é verdade, mas é igualmente verdade que a possibilidade de acção democrática começa e acaba aí. O eleitor poderá tirar do poder um governo que não lhe agrade e pôr outro no seu lugar, mas o seu voto não teve, não tem, nem nunca terá qualquer efeito visível sobre a única e real força que governa o mundo, e portanto o seu país e a sua pessoa: refiro-me, obviamente, ao
poder económico, em particular à parte dele, sempre em aumento, gerida pelas empresas multinacionais de acordo com estratégias de domínio que nada têm que ver com aquele bem comum a que, por definição, a democracia aspira
.”
José Saramago, Este mundo da injustiça globalizada. Comunicação ao Forum Social Mundial 2002


Continuo orgulhosamente lusitano (rebelde e independente,de espírito, pelo menos, mas flexível a tudo o que vier de bom, seja lá de onde ou de quem) mas deploro o portuguesismo (bacoco, provinciano, invejoso, pequeno, pequeno, pequeno).

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